Na última segunda-feira, os mercados globais reagiram negativamente aos avanços do DeepSeek, um novo modelo de IA chinês. O lançamento da plataforma, que possui uma performance semelhante a de grandes serviços americanos, mas é capaz de funcionar com infraestrutura menos robusta (e, consequentemente, a um custo bem menor), jogou dúvidas sobre o frenesi das ações ligadas à inteligência artificial (IA) generativa.
Esse movimento afetou o valor de mercado de várias empresas de tecnologia lá fora, num momento em que é cada vez mais fácil investir no exterior. Muitos brasileiros têm contas internacionais e investem no mercado acionário americano. Diante da instabilidade, o que o investidor brasileiro que investe nas ações do setor de tecnologia deve fazer?
Quem mais sentiu o impacto das dúvidas sobre a hegemonia americana na IA foi a Nvidia. A empresa, que desenvolve chips capazes de processar volumes de dados cada vez maiores, perdeu, somente na última segunda, US$ 589 bilhões em valor de mercado, desvalorizando 17% num único dia. Apesar disso, ao longo de 2024, a ação da big tech se valorizou em 194%.
E agora: vender ou reter?
Desde 2022, o rali impulsionado pela inteligência artificial adicionou US$ 15 trilhões à bolsa de tecnologia Nasdaq. O setor foi motor central dos ganhos em ações nos EUA. nos últimos dois anos
Mas, em momentos de grande volatilidade, qual a orientação para o investidor brasileiro que está exposto a esses papéis? É hora de vender e realizar o lucro até aqui? Ou se manter investido, diante do cenário ainda incerto?
‘Carro entrou no meio da corrida’
Na visão de João Victor Vieitez, analista da Aware Investments, o momento é de rearranjo para quem está exposto aos papéis das ‘Seven Magnificent’:
— A DeepSeek foi um carro que entrou no meio da corrida. O momento geral é entender melhor, já que a empresa chinesa traz um momento de cautela e atenção. Mas, diante da instabilidade, recomendaria redução de exposição parcial — ele afirma.
Apesar de recomendar a venda de alguns papéis para quem já os têm, o analista vê o momento oportuno para a entrada no setor de quem ainda não possui ações das empresas de tecnologia lá fora. Isso porque, na visão dele, ainda há oportunidade de valorização nos papéis das big techs.
Continuar evitando tecnologia
Já Fernando Siqueira, gerente de análise da Eleven Financial, vê o choque de segunda-feira como algo ainda muito incerto, o que dificulta previsões. Mas, para ele, o movimento será suficiente para que esses papéis sejam evitados no curto prazo:
— A minha impressão é que, pelo menos por alguns meses, é mais provável as pessoas não terem convicção de qual é a situação e vão continuar evitando essas empresas de tecnologia lá fora.
Para além do impacto nos papéis diretamente ligados a hardware de inteligência artificial, como a Nvidia, Antonio Cozman, analista de tecnologia da Genial Investimentos, diz que as ações de big techs também podem sofrer volatilidade a depender do desenvolvimento da DeepSeek.
Se confirmada a igual produtividade pelo valor bem abaixo das pares americanas, ações da Amazon, Microsoft e Alphabet (dona do Google) podem ser também afetadas:
— Empresas provedoras de nuvem podem ser impactadas, mas não na mesma magnitude da Nvidia, porque os operadores usam nuvem para fazer treinamento dos modelos de IA — ele diz, mas sem fazer recomendações. Com a menor necessidade do uso dos servidores, a procura pelos detentores de ‘nuvens’ pode diminuir, impactando os resultados das empresas.
Em relatório, a XP também permanece confiante no cenário, pois o tema IA seguirá como um importante motor de crescimento para os mercados nos próximos trimestres e anos. Como motivo para otimismo, a casa destaca que os modelos podem gerar ganhos de produtividade na economia como um todo.
O caso DeepSeek revelou, em partes, uma possível migração do mercado para soluções mais acessíveis, mas ainda assim a Nvidia pode surfar na onda da multiplicação de apps e ferramentas de IA diante do aumento exponencial de processamento de dados, diz a XP em relatório.
Para o banco americano Citi, tudo ainda parece incerto. A grande redução de custos prometida pela chinesa DeepSeek ainda precisa, na visão do banco, ser comprovada. Além disso, por mais que haja redução do custo de produção da inteligência artificial, o acesso americano a chips mais avançados podem seguir trazendo vantagem competitiva às empresas americanas.
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Já o BTG vê um cenário ambíguo. Do lado otimista, se confirmada a efetividade mais barata da DeepSeek, o movimento pode diminuir a barreira e facilitar a entrada de novos players no ramo da IA, aumentando a demanda por aplicações desse tipo em diversos setores.Consequentemente, os fornecedores de hardware continuariam beneficiados.
Na perspectiva pessimista, os analistas do banco brasileiro Vitor Melo e Marcel Zambello enxergam que, caso confirmado o sucesso da DeepSeek em produzir mais com menos, haveria uma redução na “narrativa atual de despesas de capital em constante crescimento para infraestrutura de IA”, o que afetaria diretamente empresas como Nvidia, AMD e provedores de nuvem.
Através da B3, é possível adquirir BDRs das ‘Sete Magníficas’, como Apple, Nvidia, Meta, Alphabet (dona do Google) e Amazon. No Brasil, segundo a B3, até setembro do ano passado, mais de um milhão de investidores no país possuíam Brazilian Depositary Receipts (BDRs) na Bolsa local.
As BDRs são certificados de valores mobiliários emitidos por instituições financeiras no Brasil, mas que representam ações de empresas listadas nas bolsas do exterior. Ou seja: através das BDRs, é possível investir em empresas lá fora sem precisar criar contas em gestoras internacionais.
Há ainda aqueles que preferem investir através de corretoras globais, diretamente nos EUA.